Disney, Alemanha e Lei de Little? Ãhn?!
"estimativa é uma mentira que as pessoas decidiram acreditar..."
Durante um bom tempo, a agilidade convive com uma tensão: a necessidade de estimar tudo e a frustração de que, mesmo assim, quase nada sai conforme o esperado. Isso nos leva a um ponto crucial: o problema está nas estimativas em si ou na forma como as tratamos dentro do sistema?
Estimativas: um meio, não um fim
Estimativas são aproximações úteis, mas imperfeitas — e não foram feitas para serem compromissos. O uso de story points, por exemplo, nasceu como uma forma de o time equalizar sua percepção de esforço ou complexidade relativa sobre uma entrega. Porém, com o tempo, se tornaram métricas de produtividade mal interpretadas, usadas para gerar cobrança e comparações injustas.
O próprio Ron Jeffries, um dos criadores do conceito, afirmou em seu Twitter em 21 de dezembro de 2017:
Isso não quer dizer que story points sejam inúteis, mas sim que estão frequentemente sendo usados para a finalidade errada. Sua intenção original era promover entendimento comum sobre o trabalho, não medir produtividade de times.
Previsibilidade: uma habilidade construída
Previsibilidade é baseada em evidência empírica, não em intenção. É construída com dados reais — como lead time, throughput e aging WIP —, que permitem responder “quando algo será entregue” com confiança estatística. Ao contrário da estimativa tradicional, não se trata de adivinhar, mas de observar padrões e gerenciar o fluxo de trabalho com base neles.
Como afirma Daniel Vacanti, autor de "Actionable Agile Metrics for Predictability", previsibilidade não depende de estimar cada item, e sim de estabilizar o sistema e gerenciar o WIP de forma consciente.
5 Dicas para Construir Previsibilidade com Métricas de Fluxo
Meça o Lead Time por tipo de item
Isso permite prever prazos com base em histórico real e segmentado.Use percentis, não médias
Trabalhar com P50, P85 e P95 gera respostas mais confiáveis sobre riscos e incertezas.Limite o WIP e visualize bloqueios
O excesso de trabalho em progresso e tarefas paradas distorcem qualquer previsão.Acompanhe o aging dos itens em andamento
Itens antigos no fluxo indicam desvios ou gargalos ocultos.Simule entregas futuras com Monte Carlo
Ferramentas como Nave ou ActionableAgile permitem prever com base em throughput real.
Onde há fluxo, há previsibilidade possível
Como a Disney sabe que você ainda vai esperar 42 minutos até entrar no brinquedo?
E como a Alemanha consegue prever que o ônibus vai chegar exatamente às 14h27 — e ele realmente chega? Sim, com 85% de confiança, afirmo que chegam. Ps. morei lá por 5 anos e fui usuário fiel do transporte público alemão. Existem atrasos? Sim, acontecem e também são avisados com antecedência.
Eles não chutam. Eles medem. Eles conhecem seu sistema.
A Disney coleta dados continuamente sobre o tempo entre cada pessoa avançar na fila. A Alemanha opera com cadência, variabilidade e previsibilidade de fluxo. Isso é gestão baseada em evidências históricas, não estimativa.
Teoria das Filas e a Lei de Little
Essa previsibilidade operacional tem base científica. Na teoria das filas, a Lei de Little descreve que:
Lead Time = WIP / Throughput
Ou seja, se você sabe quantas demandas estão em andamento e quantas são entregues por unidade de tempo, pode estimar quanto tempo levará para uma nova demanda ser concluída. Não é palpite — é observação e consistência.
Aqui um exemplo prático:
Lead Time (espera) = WIP (número de pessoas na fila) / Throughput (pessoas atendidas por minuto) /
Digamos que temos 32 pessoas na fila e a cada minuto 4 pessoas andam no brinquedo. Logo, meu Lead Time é = 32 / 4 = 8 minutos. Então posso dizer que o tempo de espera é de 8 minutos em média de acordo com o sistema que estou medindo.
Por fim…
Estimativas podem ser úteis — mas previsibilidade é mais poderosa. Estimar por estimar, sem histórico, sem sistema estável, só gera pressão e frustração. Quando medimos, inspecionamos e ajustamos com base em dados reais, a pergunta muda: não é mais “quanto vamos gastar?”, e sim “como podemos entregar de forma confiável e sustentável?”
É aí que a agilidade atua com essência — não em suposições, mas em aprendizado contínuo e decisão informada.