Precisamos voltar a falar de overengineering
Reaprendendo a construir software com propósito
É, a gente precisa. E não é porque virou moda criticar microserviços ou porque todo mundo resolveu bancar o “evangelizador do simples”. É porque, no fundo, tem muita gente boa por aí esquecendo o básico enquanto constrói castelos de areia com arquitetura em nuvem, repositórios em cascata e processos de QA que mais parecem uma auditoria da NASA. E aí, quando o usuário final entra no produto, tudo que ele encontra é… um botão que nem carrega.
“Não é a complexidade que entrega valor. É a utilidade que sustenta a complexidade.”
A verdade é que o overengineering está em toda parte. Não é só no código. Ele respinga nos frameworks ágeis mirabolantes, nas validações infinitas de design que nunca chegam no usuário real, nos testes automatizados que ninguém mais sabe manter, nos OKRs, nos checklists, nos dashboards… tudo lindo, mas tudo vazio.
A real sobre o que funciona
Tem uma coisa que pouca gente quer ouvir: soluções básicas e bem executadas funcionam. E muitas vezes funcionam melhor do que aquelas que demandam squads inteiros só para orquestrar integrações que, sinceramente, ninguém pediu.
Vamos destrinchar isso:
Arquitetura e DevOps
Arquitetura bem pensada não é sinônimo de Kubernetes, mesh, ou 37 lambdas interligadas. É entender o que realmente precisa estar desacoplado, o que pode crescer junto e o que você pode deixar pra amanhã. A verdade? Em 80% dos casos, um monólito bem estruturado e testável te dá mais velocidade e menos dor de cabeça.
Agilidade
Você não precisa de um framework ágil com nomes em inglês e rituais que parecem uma seita. Uma cadência simples, com reuniões objetivas, algumas métricas claras e um bom product manager já faz milagres.
Qualidade
Um framework de qualidade que ninguém entende só serve pra parecer bonito em apresentação. Testes automatizados com escopo, testes manuais direcionados e um time que realmente entende o que deve ser validado têm mais valor do que aquele coverage de 93,2% que ninguém sabe o que cobre.
UX/UI
Protótipo rápido, validação com usuário real e componentização básica. É isso. A fórmula da maioria dos produtos bons não é segredo – só não é sexy. A diferença está em executar com propósito e escutar de verdade.
E o mais curioso: quanto mais experiente o time, mais difícil fica evitar a tentação do excesso. Engenheiros experientes se apaixonam por estruturas elegantes, mas às vezes esquecem que o usuário está pouco se importando com a elegância interna. Ele só quer que funcione. Que entregue. Que resolva.
“Boas estruturas não precisam ser grandes. Elas precisam ser justas.”
É fácil cair na armadilha do glamour técnico. Começamos com a intenção certa: “vamos fazer bem feito desde o início”. Mas o “bem feito” vai se transformando em “hiperdetalhado”, e o “desde o início” vira “antes de existir um usuário”. Aí o MVP já nasce com múltiplas filas Kafka, pipeline de CI/CD com branch preview dinâmico e… nenhuma evidência real de que aquilo tudo vai ser usado.
Foco no MVP. Sempre.
O que se espera de um MVP não é que ele seja frágil, mas que ele seja cirúrgico. Ele precisa ser pequeno o suficiente para andar rápido e grande o suficiente para gerar aprendizado real. Isso vale para qualquer área. O MVP não é só de código — é da estrutura, do processo, do mindset.
Comece com:
O mínimo necessário de arquitetura escalável
Uma metodologia de entrega funcional, clara e sem firulas
Uma jornada de qualidade que priorize o que afeta o usuário primeiro
Um design que foque em usabilidade e não em pixel-perfect
De resto, você ajusta no caminho. Cresce onde houver tração. Reescreve quando fizer sentido. Mas entrega valor desde o começo.
Um exemplo improvável — e poderoso
Não gostaria de estar dando esse exemplo, até porque vem de um cenário de guerra. Mas enfim, tempos tristes no mundo. De qualquer forma, isso ilustra exatamente o que quero dizer sobre como tecnologia simples pode resolver problemas gigantes.
Drones de fibra ótica estão sendo usados em campo de batalha para abater alvos estratégicos. Mas o detalhe é o seguinte: eles não são guiados por satélite ou tecnologia de ponta inalcançável. Eles são conectados por cabos físicos, literalmente quilômetros de fibra ótica sendo desenrolados enquanto avançam 10, 15, até 20 quilômetros adentro do território inimigo.
Por quê? Porque assim evitam interferências. Garante-se precisão. É confiável.
Quem diria que, no meio da guerra moderna, o segredo seria… fio?
Esse é o tipo de solução que, na prancheta de um overengineer, jamais seria considerada. Mas que, no mundo real, entrega resultado com clareza.
Pra fechar
Não é uma crítica à tecnologia. Nem um incentivo para “fazer nas coxas”. O ponto é outro: precisamos reaprender a construir com propósito. Voltar pro centro da questão. Lembrar que produto bom é aquele que resolve um problema de forma confiável, rápida e clara. O resto… vem depois.
Se tem uma coisa que vale manter em mente é: toda estrutura robusta já foi, um dia, algo pequeno e bem-feito. Então, da próxima vez que sentir vontade de construir um foguete, pensa se um skate já não resolve o trajeto.
E se resolver… entrega o skate. Depois, a gente turbina.